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Ruy Pacheco de Azevedo Amaral – Embaixador do Brasil na República Árabe do Egito e Estado da Eritreia

The Winners – Como estão alinhadas, atualmente, as políticas de comércio exterior entre Brasil e Egito?

Ruy Pacheco de Azevedo Amaral – As relações entre Brasil e Egito são antigas e remontam às duas viagens de D.Pedro II ao país, em 1871 e 1876, época em que foram abertos os primeiros consulados brasileiros no Egito, em que foi construída a igreja brasileira de Alexandria (Egreja São Pedro) e em que foram criadas as “Fondations Brésiliennes de Bienfaisance en Orient”, mantidas até nossos dias pela Fundação Debbane, cuja presidente foi recentemente condecorada pelo Governo brasileiro com a Ordem de Rio Branco. Nossa representação diplomática no Cairo funciona desde 1924, mas nossas relações comerciais somente ganharam expressão nos últimos 20 anos. Hoje, o Egito é um importante parceiro comercial do Brasil, sendo o principal destino de nossas exportações para a África. Em 2018 absorveu 26% do total de nossas vendas para o continente. Foi igualmente, no ano passado, o principal destino de nossas exportações para o mundo árabe, ao haver importado mais que a Arábia Saudita, que ocupara por anos o primeiro lugar. Nossas exportações para o Egito somaram US$ 2,4 bilhões em 2017 e US$ 2,134 bilhões em 2018, gerando um superávit de US$ 1,86 bilhão a nosso favor. Se, por um lado, observamos, no último ano, uma queda de 11,74% em nossas vendas totais, derivada, sobretudo, do decréscimo nas exportações de açúcar e milho, há que se notar que nossas exportações, outrora concentradas em commodities (carne bovina, açúcar, milho, frango e minério de ferro) começam a se diversificar. Bens industrializados, irrelevantes no passado, representaram 13% de nossas exportações em 2018.

Trata-se, sem dúvida, de resultado do Acordo de Livre-Comércio Mercosul-Egito, celebrado em 2010, em vigor desde o final de 2017. O acordo prevê a desgravação tarifária gradual em diferentes categorias. Neste momento cerca de 30% dos bens produzidos em ambas regiões são isentos de tarifa e, em 2027, ao completar 10 anos de sua entrada em vigor, cerca de 99% da pauta comercial entre Egito e Mercosul estará desgravada. Trata-se de acordo ambicioso que prevê, ademais, a possibilidade de acordos futuros para acesso a serviços e investimentos. Os investimentos brasileiros no Egito, inexistente no início do milênio, vêm crescendo de maneira expressiva nos últimos anos. Em 2008 a Marcopolo constituiu joint-venture com o grupo egípcio Ghabbour para a instalação no Egito de fábrica com capacidade de produzir 3 mil ônibus por ano. A InterCement, empresa do Grupo Camargo Correa, por sua vez, ao adquirir a CIMPOR – Cimentos de Portugal – passou a controlar a Amreya Cement Co, cimenteira instalada em Borg El Arab, 70 km a oeste de Alexandria, com capacidade de produção de 5 milhões toneladas/ano, que abastece cerca de 6% do consumo local. Trata-se de ativos de mais de meio bilhão de dólares norte-americanos. Do lado egípcio, há que citar os investimentos no Brasil do Grupo Elsewedy, um dos principais conglomerados industriais do Egito e da África, fundado em 1938.

 

TW – Descreva as relações comerciais do Egito em âmbito mundial, principais produtos de exportação e importação, bem como seus parceiros estratégicos para os negócios.

RPAA – Os principais destinos das exportações do Egito em 2017/2018 foram a União Europeia (quase 35% do total); os países árabes (23,3% do total) e os países asiáticos (10,3%), sobretudo China e Índia. Entre os principais exportadores ao Egito estão China, com 8,6% do total (US$5,406 bilhões); Arábia Saudita, com 5,7%; Emirados Árabes Unidos, com 5,2%; Rússia, com 5%; e Estados Unidos e Alemanha, com 4,7%. O Brasil é o 10º maior exportador de produtos ao Egito, com 2,8% do total (US$ 2,1 bilhões). O comércio do Egito é deficitário com a maioria de seus parceiros, o que é parcialmente
compensado por serviços, como turismo, que experimentou robusto crescimento em 2017 e em 2018, pelas rendas do Canal do Suez e pelas remessas da diáspora egípcia espalhada pelo mundo (há 9,4 milhões de egípcios vivendo no exterior).

O governo egípcio tem implementado uma estratégia de estímulo a exportações, facilitada, em parte, pela política de livre flutuação da libra egípcia, introduzida em 2016. Durante 2017/2018, as exportações egípcias cresceram 19%, havendo atingindo US$ 25,8 bilhões; enquanto as importações cresceram 6,94%, registrando US$ 63,1 bilhões. O déficit comercial, que apesar de alto vem diminuindo, estabilizou-se em US$ 37,3 bilhões.

 

TW – Em sua trajetória, quais foram os países onde o senhor serviu ao Brasil antes do Egito?

RPAA – Como diplomata brasileiro, servi em Lisboa (1991-1994), México (1994-1998), Paris (2004-2008) e Londres (2008-2010). Entre 2011 e 2015 vivi em Madrid onde ocupei o cargo de Secretário Adjunto Ibero-americano, posto para o qual fui eleito em setembro de 2010. Desde fevereiro de 2015, sou Embaixador do Brasil junto à República Árabe do Egito e ao Estado da Eritreia.

 

TW – O que se pode destacar entre o rol de experiências significativas no decurso de sua carreira?

RPAA – A carreira diplomática proporcionou-me oportunidades extraordinárias ao longo da vida, tanto no Brasil como no exterior. No Brasil, destaco o período de 1998 a 2004 em que trabalhei como Assessor Internacional do Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Presidente do Senado, Senador José Sarney. No exterior, ressalto os anos em que servi em Lisboa (1991-1994), período de gestação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, bem como minha experiência em Paris (2004-2008), como Chefe do Setor Cultural da Embaixada, durante a concepção e execução do maior projeto de difusão cultural empreendido pelo Brasil: O Ano do Brasil na França – 2005.

A carreira diplomática reservou-me experiências difíceis, mas igualmente gratificantes, como haver coordenado no Vale do Becaa, no Líbano, em 2006, a complexa operação humanitária montada pelo Governo brasileiro para retirar os integrantes da importante comunidade brasileira lá residente, que desejassem partir em condições seguras, quando dos bombardeios israelenses no sul do país.

Vista do Cairo, da mesquita amir al-Maridani

TW – Em sua atuação no Egito, destaque fatos e peculiaridades inerentes ao país, bem como aquilo que mais o impressionou.

RPAA – O Egito é um país que impressiona em todos os aspectos, incluindo obviamente sua história milenar e sua cultura. O patrimônio histórico egípcio – faraônico, copta, árabe – é fabuloso e encontra-se em excepcional estado de conservação. A segunda mais importante biblioteca do cristianismo, depois da do Vaticano, encontra-se no Sinai, no Mosteiro de Santa Catarina.

Não obstante, durante os anos em que aqui vivi, impressionou-me, em particular, a determinação com que foram implementadas as reformas econômicas levadas a cabo pelo governo a partir de 2016, no bojo de acordo com os órgãos do Sistema Financeiro Internacional: Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM). Compreenderam (a) a introdução do imposto sobre valor agregado (IVA); (b) uma nova lei do serviço público que introduziu princípios até então inexistentes com vistas a incrementar a eficiência e atenuar o gigantismo do funcionalismo público, então de 7 milhões de pessoas, cuja folha de pagamento consumia 26% do orçamento público (hoje 19%); (c) a extinção gradual dos subsídios à energia, que já caíram de 6% para 2% do PIB e deverão ser extintos, segundo os compromissos assumidos com os órgãos do sistema financeiro internacional, em junho vindouro; e (d) a introdução do sistema de livre flutuação da libra egípcia, que provocou de imediato imensa desvalorização, mas que eliminou o câmbio negro.

Os resultados, se analisarmos os números macroeconômicos do Egito, são muito positivos. FMI e BM têm citado, com frequência, o caso egípcio como exemplo de sucesso. A economia, que havia crescido 5,3% no último exercício fiscal, deverá crescer, segundo o FMI, 5,6% no atual, que se encerra em 30 de junho. Trata-se da maior taxa de crescimento do mundo árabe. As reservas, que estavam no patamar de US$ 15/16 bilhões em 2016, encontram-se hoje no patamar dos US$ 44 bilhões. A inflação caiu de 33% em março de 2017 para 13,8% em março de 2019. O desemprego caiu de 12,2% para 8,9%. As contas externas do país melhoraram substancialmente.

A dívida externa cresceu, mas se mantém no patamar confortável de 36,1% do PIB. O déficit em contas correntes caiu de US$ 12,4 bilhões no exercício fiscal 2016-2017 para 5,2 bilhões no último. Embora ainda restem muitos desafios, o processo de saída do país da profunda crise econômica que marcou o período revolucionário (2011 – 2013) e os anos subsequentes tem sido uma impressionante demonstração de resiliência.

Rio Nilo

TW – Com relação aos negócios, identifique as principais áreas de interesse para os relacionamentos comerciais entre árabes e brasileiros.

RPAA – A pauta das exportações brasileiras concentra-se em produtos primários, principalmente alimentícios. Apesar de o Brasil continuar sendo o principal fornecedor de açúcar-de-cana ao Egito, nossas exportações do produto tiveram queda de 59% em 2018 em relação a 2017, quando o açúcar havia ocupado o primeiro lugar na pauta de exportações (US$ 561,3 milhões). A queda deveu-se, por um lado, a uma boa safra egípcia e, por outro, à queda do preço do açúcar no mercado internacional. No mesmo período, também houve queda de 31% das importações de milho brasileiro. O Egito
continua a representar o terceiro mercado para a carne bovina brasileira no mundo (cerca de 10% do total), depois de Hong Kong e China.

Em 2018, as exportações de minério de ferro superaram importantes produtos agrícolas, cresceram 74,3% (US$ 443,78 milhões) e alcançaram o segundo lugar na pauta de exportações, com 21% do total. A exportação brasileira de tubos de ferro e aço, por exemplo, cresceu cerca de 800% e compôs 5,8% da pauta geral. Já do lado egípcio, fertilizantes continuaram a representar o primeiro item na pauta de exportações egípcias para o Brasil (72% do total). O comércio permanece desequilibrado, acumulando grandes superávits consecutivos para o Brasil, mas as exportações egípcias para o Brasil têm experimentado importante crescimento: 64,7% em 2017, 73% em 2018 e 100% nos quatro primeiros meses de 2019, em relação ao mesmo período do ano passado. Os exportadores egípcios têm sido capazes de encontrar certos nichos de mercado do qual estão sabendo tirar proveito.

O Egito já é hoje, por exemplo, o segundo mais importante fornecedor de azeitonas para o mercado brasileiro. A Embaixada do Brasil no Cairo conta com Setor Comercial chefiado por diplomata competente e dedicada, Secretária Fernanda Mansur Tansini (secom.cairo@itamaraty.gov.br), assessorada por dois contatados locais: senhora Maria Adel Fekry e senhor Ayman Abdel Wahed. Conta ainda, desde dezembro de 2018, com um adido agrícola, senhor Cesar Simas Telles (adido.cairo@agricultura.gov.br). Todos estão à disposição de empresários brasileiros e egípcios e entusiasmados em promover o incremente das relações comerciais bilaterais.

TW – Quais são as perspectivas para as trocas comerciais entre Brasil e Egito para os próximos anos?

RPAA – As perspectivas são muito positivas, à medida que as desgravações do ALC Mercosul-Egito progridem e que ele vem se tornado mais conhecido por importadores e exportadores de ambas as regiões. O governo egípcio tem enviado esforços para aumentar os investimentos estrangeiros no país, incluindo as oportunidades que surgem com a construção
de grandes projetos de infraestrutura. O Egito tem facilitado a entrada de capitais, sobretudo após a nova Lei de Investimentos, aprovada em 2017, que simplificou a burocracia e trouxe uma série de incentivos, isenções e garantias aos
investidores. Como resultado, os investimentos estrangeiros e domésticos aumentaram 47% (2017/2018) e o Investimento Direto Estrangeiro (FDI), 15%. Em 2017, o Egito foi o principal receptor de FDI na África, com US$ 9,5 bilhões. Entendo que o Brasil poderá, nos próximos anos, além de manter importantes relações comerciais, identificar suas vantagens comparativas para buscar parcerias inclusive mais diversificadas com os egípcios.

 

Entrevista concedida pela Winners.

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